segunda-feira, 25 de julho de 2011

UM CRIME QUE MUDOU O BRASIL, JOÃO DANTAS X JOÃO PESSOA

80 anos da morte de João Pessoa, um crime que mudou o Brasil

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Reportagem mostra mitos e verdades que cercam o assassinato do presidente João Pessoa. Arte recria a história.
Estamos no ano de 1930. É uma sexta-feira, 25 de julho. Precisamente às 18 horas. Com o Palácio em reforma, os despachos do governador, à época denominado presidente, eram feitos na diretoria do jornal A União cujo prédio se situava onde hoje funciona a Assembleia Legislativa. Chefe do Executivo paraibano, João Pessoa era conhecido pelo seu temperamento franco, direto. Enquanto assinava o documento que lavraria o ato de transmissão de cargo ao seu vice, Álvaro de Carvalho, permitiu-se a um gracejo com os funcionários:“Vejo que os senhores ficam sempre muito alegres toda vez que me ausento da Paraíba”

Quem não achou nada engraçado foi o secretário de Segurança, Ademar Vidal: “Então, o presidente vai ao Recife? Acho uma temeridade...”. Como bem observou o seu amigo e auxiliar próximo, o escritor José Américo de Almeida, João Pessoa “era todo direto e sem nenhuma sutileza”. Ao ouvir a ponderação do seu secretário sobre a viagem que faria sem o acompanhamento de qualquer segurança: “Os senhores são muito sentimentais. Vamos deixar de tolice...”.
Como os fatos vieram a comprovar, não se tratava de tolice nenhuma. No dia seguinte, sábado, João Pessoa seria assassinado a tiros na capital pernambucana. O crime completará 80 anos amanhã. A morte do presidente paraibano impulsou os revolucionários, que já arquitetavam a tomada de poder. Eles depuseram Washington Luiz, dando posse a Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano.
A reportagem entrevistou dois estudiosos no assunto, os historiadores José Octávio de Arruda Melo e Wellington Aguiar, ambos autores de obras que versam sobre o tema da Revolução de 1930. Além de serem consultados títulos, publicações e obras, apresentamos a repercussão do assassinato no exterior, reproduzindo o que o jornal The New York Times, dos Estados Unidos, noticiou no dia seguinte à morte de João Pessoa.
Trata-se, sem dúvidas, de um período histórico riquíssimo cujos desdobramentos ainda mantêm ligação direta não só com os principais fatos políticos que dali ocorreram, circunscritos a um passado remoto. Muitos atores da cena política atual da Paraíba têm ligação direta com o teatro de 1930. Mais do que isso: ainda hoje há pontos desta história que não são pacíficos e os dois lados ainda terçam armas – não disputando poder político; migraram a luta para uma trilheira intelectual, levando o embate à arena da história.
Desde que assumira o governo, João Pessoa já entrara em rota de colisão com os chefes políticos, ligados à oligarquia paraibana. Em 1929, o governo do presidente Washington Luiz teve o apoio à chapa situacionista de sucessão presidencial, encabeçada pelo paulista Júlio Prestes, negado por parte de João Pessoa - era o famoso dia do “Nego”.
Desde então, as relações entre os governos federal e estadual azedaram. Para complicar, João Pessoa aceitou a indicação para ser vice na chapa oposicionista, encabeçada por Getúlio Vargas. “Tentou-se fazer uma frente única aqui na Paraíba, como aconteceu no Rio Grande do Sul”, explica José Octávio. “A oposição aqui era muito pequena, mas não aceitou. Eles viram no apoio federal, a situação, a possibilidade de ter um fôlego”, conta.
Desde 24 de fevereiro de 1930 que o governo de João Pessoa via-se às voltas com uma guerra civil. A cidade de Princesa declara-se “Território Independente” e não mais se submetia aos comandos da chefia do Executivo estadual.
VIAGEM AO RECIFE
O objetivo principal da ida de João Pessoa ao Recife era visitar velho amigo, o juiz federal Francisco Tavares da Cunha Melo, que estava enfermo e internado no Hospital Centenário, no bairro de Boa Vista, no Recife. Mais do que uma visita de solidariedade, havia um interesse específico do presidente.
João Pessoa estava prestes a receber um carregamento de armas que viria ao porto do Recife em poucos dias. Certamente as autoridades federais iriam apreender a carga. O navio Muniz Freire, da Marinha, percorria o litoral com o objetivo de impedir a chegada de armas e munição à Paraíba. Com vistas a driblar a fiscalização federal, o material bélico vinha por meio de contrabando em latas de conservas.
Às vésperas da viagem que faria ao Recife, a última que fizera em vida, a questão que inquietava João Pessoa era a seguinte: seria possível liberar o carregamento ao se requerer um interdito? João Pessoa acreditava que sim, era possível sustar a apreensão com este recurso judicial. Queria, porém, ouvir do amigo juiz uma opinião sobre o caso. Havia, ainda, a necessidade de comprar novos clichês no Jornal da Manhã, situado na capital pernambucana, para a edição comemorativa ao aniversário de um ano do “Nego”.
JOÃO DANTAS
Olinda, três horas da tarde, 26 de julho de 1930. O advogado João Dantas saíra da casa do cunhado Augusto Caldas e tomara um bonde com destino à capital pernambucana. Iria até o Jornal do Commercio. Seu objetivo era responder à série de cartas suas que o jornal A União vinha publicando. Casualmente, João Dantas senta-se ao lado de um conterrâneo que está lendo o jornal estatal da Paraíba. Ao ver a manchete em tipos em caixa alta “REVELANDO A ALMA TORTUOSA DOS CONSPIRADORES CONTRA A ORDEM E A DIGNIDADE DE NOSSA TERRA”, João Dantas sentiu o sangue ferver. À medida em que seguia com os olhos na leitura, mais impropérios lhe eram dirigidos: “... o arquivo de cartas e telegramas desse tarado era um verdadeiro manancial de monstruosidades...”. Mais adiante: “Nos documentos da edição de ontem ficou demonstrada a irresistível tendência dos Dantas para o alheio”.
João Dantas, com os olhos marejados de ódio, ainda teve tempo de ler a notinha: “Com destino ao Recife, viaja hoje o sr. presidente João Pessoa, que na vizinha metrópole do sul vai visitar o seu amigo particular dr. Cunha Melo, juiz federal de Pernambuco e que se acha convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submetera. A demora do chefe do governo será muito curta”.
João Dantas considerou a atitudade de João Pessoa um ultraje - ir impunemente ao Recife, desafiar-lhe a coragem. Voltou à casa do cunhado, pegou o seu colt 22 e de lá partiria com uma missão: lavar a honra ofendida. Esta versão, todavia, não é um ponto pacífico. “Essa história de bonde, de jornal, nada disso existiu. Foi criada para descartar a culpabilidade de Moreira Caldas”, opina Wellington Aguiar. “Eu não acho correta a versão do bonde – ele ter descido e retornado à casa do cunhado? Não, não; João Dantas andava armado”, comenta José Octávio de Arruda Melo. Uma outra versão dá conta de que Augusto Caldas, cunhado de João Dantas, teria visto João Pessoa e ligara para casa com o fim de avisar ao advogado.
Crônicas de uma morte
Embora amanhã faça exatos 80 anos da morte do presidente João Pessoa, cujo assassinato foi o ponto culminante para a Revolução de 1930, ainda é possível encontrar, hoje em dia, em pleno século 21, gente que se denomine liberal ou perrepista, embora estas denominações estejam ligadas às siglas partidárias extintas de há muito. A reportagem quis mostrar o quanto o tema não é só polêmico nas esferas política e histórica, mas rendeu boas discussões também no âmbito cultural.
Em 1983, a então jovem cineasta gaúcha, descendente de japoneses, Tizuka Yamazaki realizou com estrondo o seu segundo filme, Parahyba Mulher Macho. A película foi assistida por mais de 1,7 milhão de espectadores, uma das maiores bilheterias daquele ano. Todavia, a produção deu muito o que falar. Houve até processo na Justiça movido por Helena Beiriz, à época com 70 anos, irmã de Anayde, namorada de João Dantas e principal personagem do filme, interpretada pela atriz Tânia Alves. O objetivo da ação, que não prosperou, era interditar as cenas de sexo do filme. Mas não foi só o lado “perrepista” quem reclamou. O advogado João Pessoa Neto, como o nome já indica, neto do ex-presidente da Paraíba, divulgou várias cartas em jornais do Nordeste acusando as inverdades do filme.
Tizuka, à época, se defendeu de ambos. Disse que não pretendeu fazer um documentário: “Juntei as migalhas biográficas da mulher Anayde para fazer um filme de ficção”. Para o historiador Wellington Aguiar, autor do livro João Pessoa, O Reformador, “o filme não é história, é ficção”, comentou. “Tizuka fez esse filme pra ganhar dinheiro, atropelou inteiramente a história”.
Com relação a Anayde, a cineasta chegou a dizer que era um “problema de leitura”. “Essa crítica a que se refere foi moral, e não cinematográfica. Para mim, a leitura é libertária. Mas a Anayde continua sendo prostituta para uns e libertária ou revolucionária para outros. A versão em que se acredita é aquela que nos convém. A família de Anayde Beiriz não gostou do filme, e eu sei por quê. Ela queria que eu recuperasse Anayde do esquecimento, mas não com a imagem do que ela foi, e sim com a imagem desejada pela família”, declarou a cineasta para a revista Veja.
NO TEATRO
Um dos maiores sucessos do teatro paraibano pegou inspiração também nos sangrentos episódios da política paraibana: Anayde, texto de Paulo Vieira, montagem do grupo Bigorna, com direção de Fernando Teixeira. “O texto foi escrito em 1982 e montado em 1992. Quando eu o escrevi, o texto recebeu apoio entusiasmado de José Joffily (autor do livro Anayde-Paixão e Morte na Revolução de 30) e uma forte oposição da família de Anayde. Mas isso é bastante compreensível, porque até então não se falava o nome de Anayde Beiriz. Era um nome maldito na cidade. Interessante isto: justamente Anayde que não teve, ao menos aparentemente, envolvimento político com os fatos de 30”.
Paulo Vieira lembra que “10 anos depois, Fernando Teixeira montou Anayde e para minha surpresa o tema continuava a atrair a atenção, embora não fosse mais um tema capaz de provocar polêmica, ao menos polêmica pública como o filme da Tizuka o fez. Mas era um tema que mexia com a cidade e que exigia certa dose de coragem para levá-lo à cena. Tanto que foi uma das melhores temporadas naqueles tempos. Teatro Santa Roza lotado todas as noites e superlotado nas últimas semanas”.
JP
Por Astier Basílio

MORTE DE JOAO PESSOA - HISTORIA DE NOSSO ESTADO.

26 DE JULHO MORTE DE JOÃO PESSOA 


João Pessoa
Político paraibano, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque nasceu em 24 de janeiro de 1878 na cidade de Umbuzeiro e foi morto em 26 de julho de 1930, por João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife. Seu assassinato é considerado o estopim da revolução de 1930.
Formou-se em Direito influenciado pelo tio, Epitácio Pessoa, foi auditor da Marinha, ministro do Supremo Tribunal Militar e eleito presidente da Paraíba em 1928. Também foi candidato a vice-presidente do Brasil na chapa encabeçada por Getúlio Vargas.